sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Concurso de Contos - Duelos Retóricos

CONCURSO DUELOS RETÓRICOS – MULTIVERSO ONLINE DE CONTOS


I- São considerados como participantes ativos do concurso todos aqueles que aceitarem o convite para serem autores desse blog. Para serem convidados, enviem seus endereços de e-mail para  reflexosdemimmesmo@gmail.com, ou enviem o conto diretamente para o email, com título da história e nome do autor. 

II- Quaisquer divergências das regras serão usadas como critério de desclassificação do participante.

III- Cada conto precisa, necessariamente, ser inédito, de modo que aquele participante que o enviar, será o único e exclusivo responsável pela autoria de seu texto.

IV- O conto deverá ter entre 1 e 5 páginas. O texto deverá estar formatado com a fonte “Times New Roman”, tamanho 12, com espaçamento simples. Utilizar um (1) “tab” para parágrafo e o alinhamento deverá ser “Justificado”. Os arquivos deverão ser formatados “Word” (.doc). O conto deverá ter um título que o identifique. O não cumprimento do padrão implicará em desclassificação sumária.

V- Será realizada enquete no grupo Duelos Retóricos, considerando 1 conto por autor. O prazo final para que os participantes enviem seus contos é 12/10/2014 (doze de outubro de dois mil e quatorze) até a meia-noite. Não enviado o texto até tal data, o interessado em participar não será considerado como participante do evento. Para autores que publicarem mais de um conto, apenas o primeiro será considerado inscrito. 

VI- A avaliação de cada conto se dará por meio de votação dos membros do grupo DUELOS RETÓRICOS, no facebook (https://www.facebook.com/groups/duelosretoricos2/), por meio de uma enquete que será fixada no grupo. Logo, o mais votado, ficará em primeiro; o segundo mais votado, em segundo; e assim por diante. Apenas um voto será computado; havendo mais de um voto do mesmo participante, ambos serão desconsiderados.

VII- A votação terá início em 13/10/2014 (treze de outubro de 2014) e terá como data final o dia 20/10/2014 (vinte de outubro de 2014).


VIII- O conto mais votado será publicado no Multiverso Online e no Blog Duelos Retóricos.

http://www.multiversonline.com.br/
duelosretoricos.blogspot.com.br
Duelos Retóricos no Facebook
Multiverso no Facebook

domingo, 12 de outubro de 2014

Gnutrix – “Muita picuinha por nada”

Lucas Pierre é um entre os milhões de seres humanos que não debatem. Neuralmente ele estava conectado ao sistema do analfalulismo das redes sociais.
Ignorava que o mundo em que vivia é diferente do que parece. Entretanto, nesse mundo de cotas e MEC, ele vive uma vida dupla. Nas suas atividades legais, ele é um pacato programador de sites pornográficos que passa o dia se masturbando enquanto trabalha.
Mas Lucas também é um hacker que penetra em sistemas de computador ilegalmente e rouba informações de perfis de fakes, sob o seu apelido hacker de “Pipi”. Durante a sua vida como um hacker, Lucas descobre algo conhecido apenas como Gnutrix.
Durante os anos anteriores sem conhecer aos acontecimentos relativos à Gnutrix, Lucas Pipi gastava seu tempo tentando encontrar um troll – um suposto terrorista das redes sociais conhecido apenas como Big John Bill. Mas o que Lucas Pipi não sabe é que BJ Bill o tem observado por um longo período de tempo planejando sequestrá-lo visando usar suas habilidades no campo da informática. BJ Bill não sabe sequer fazer print screen e precisa dos conhecimentos e técnicas hacker de Lucas Pipi para tentar destruir Gnutrix lançando um vírus que façam todos apenas debaterem utilizando argumentos ad hominens.
O arquiteto da Gnutrix, Levix Gandalf, identifica Lucas Pipi como sendo a pessoa fora da Gnutrix, a qual ele acredita ser o escolhido, ou seja: The Special One of Debates. Enquanto BJ Bill acha que e ele pode ser útil para destruir a rede de debates de Levix Gandalf, este por sua vez crê que Lucas Pipi seja a salvação.  
Certo dia Lucas Pipi vagando pelas redes sociais em busca de companhia feminina é seduzido pelo perfil fake de BJ Bill conhecido como Mayara. Mayara é perfil fake de mulher criado por BJ Bill que seduz desavisados em redes sociais e os fazem masturbar-se em conversas libidinosas. Sem saber que do outro lado do computador está um velhote gordo e sexualmente transviado BJ usa esse expediente para ter uma vida sexual ativa através desse fetiche virtual. Como Lucas Pipi é viciado em bater punheta sob o menor pretexto ele é presa fácil para as artimanhas de Mayara e cai nessa feito um patinho.
Mayara faz Lucas Pipi exaurir-se de tanto masturbar-se e depois que ele desmaia BJ Bill invade seu quartinho de república e o seqüestra visando passar para a segunda parte do seu plano maquiavélico de destruição da Gnutrix. Mesmo assim, Pipi recusa-se a cooperar com os planos de BJ. Em virtude disso BJ instala um chip chamado backdoor implantado no centro do ânus de Pipi, a fim de que seus atos possam ser monitorados por BJ. No entanto, Pipi é salvo das garras de BJ por Alex Chicken um dos aliados da Gnutrix. Chicken remove a backdoor e Pipi é levado até Levix para um encontro que mudaria sua vida.
Para Lucas Pipi seria oferecida a opção de se manter na sua vida cotidiana de punheteiro ignorante da era analfalula ou ver à realidade e aprender o que é a Gnutrix.

# O encontro com Levix Gandalf
Para Lucas Pipi seria oferecida a opção de se manter na sua vida cotidiana de punheteiro ignorante da era analfalula ou compreender a realidade e aprender o que é a Gnutrix.
Levix Gandalf sentado numa poltrona e empunhando seu cajado fala para Pipi:
- Está vendo essas duas pílulas a sua frente? A azul é Viagra e a vermelha é de groselha. Mas essa groselha está batizada com uma droga que eu inventei a base de LSD e excstasy e substratos de maconha com crack que altera o funcionamento neural e faz você conhecer a Gnutrix.
Lucas fica entusiasmado ao ver pela primeira vez na vida uma pílula de Viagra na sua frente e Levix prossegue seu discurso explicativo:
- Gnutrix que é um mundo paralelo onde as pessoas debatem sobre a verdadeira realidade não fake da era analfalula. Cabe a você optar se quer tomar Viagra e bater punheta o resto da vida permanecendo na ignorância, ou se quer tomar a vermelha e descobrir um novo mundo. Caso você escolha tomar Viagra eu ainda enfio esse meu baita cajado no seu rabo para você desejar esquecer desse nosso pequeno encontro e te mando de volta para sua vidinha chata e fútil! A escolha é sua Pipi!  
Lucas Pipi intimidado pela idéia de levar um baita cajado no rabo opta por tomar a pílula de groselha batizada com coquetel de entorpecentes. Faz isso também motivado só para ver no que vai dar aquela zoeira. Assim que engole a pílula ele é tele-transportado para dentro da Gnutrix através dum delírio psicótico.

Ao recobrar a consciência Levix Gandalf apresenta para Pipi os agentes da Gnutrix:
- Este magrelo de ray ban é Alex Chicken, você já deve conhecê-lo devido ele ter retirado do seu fiofó com uma luva de Fred Krueger o chip backdoor. Creio que tenha sido uma experiência muito infeliz para você Pipi e lamento por isso…
Lucas coça a bunda e faz beiço e apenas diz com sua voz fininha: É pode crer que foi bah!  
Levix continua com as apresentações:
- Aquela macaca Chita ali é Roger Monkey, eu o abduzi no passado do Planeta dos Macacos. Ele é nosso produtor de perfis fakes ultra seguros, os quais mantém diálogos libidinosos com Mayara tentando descobrir onde BJ Bill está agindo…
- Por fim, aquele careca ali caído de tanto beber e com camiseta do Motorhead é Chico Kojak. Ele já foi chamado de Chico Sofista, mas depois que rapou a cabeça resolvi rebatizá-lo. Ele também foi vítima, assim como você, de Mayara e ele será o seu parceiro em suas missões. Recomendo que mantenha ele sempre amaconhado e hidratado com cerveja senão ele fica nervoso.
Levix prossegue:
- Sua primeira missão será descobrir o paradeiro de Alonso Black, um de nossos debatedores que fugiu da Gnutrix. Ele sempre foi desafeto de BJ Bill e deve saber um meio de exterminar com os planos sórdidos dele. Segundo as últimas informações sobre o seu desaparecimento ele foi visto trocando idéias com uma bruxa chamada Marix Munix a qual segundo amigos de Alonso é sua mentora ou talvez um perfil fake gerado pelo próprio Alonso devido o Roger desacreditar na existência real dessa bruxa.
- Nós iremos juntos consultar essa bruxa em seu apartamento e ver se ela possui alguma informação útil sobre o paradeiro do bode ou se é de fato Alonso se passando por outra pessoa. Então Pipi, troque de roupa e coloque aquele macacão de vinil rosa especialmente feito sob medida para você e vamos ao trabalho! Mas antes, pesando bem… vamos tomar um porre porque não somos de ferro…

# O encontro com a bruxa Marix
Ao chegarem completamente de porre no apartamento da bruxa, Levix e Pipi são recebidos amistosamente pela mesma:
- Olá meus amiguinhos da Gnutrix quanto tempo! Hoje querem doces ou travessuras?
Lucas responde
- Eu tava é afim mesmo dum chimarrão feito com maconha!
- Hahahaha que rapazinho jovial e engraçadinho esse seu novo amigo Levix! Gostei do modelito dele! Mas que pena que não tenho maconha aqui. Afinal eu sou careta só tomo esses chazinhos de cogumelo… Querem uma xícara?
Entre uma xícara e outra de chá de cogumelo Levix questiona a bruxa vestida de negro e chapéu cônico sobre o paradeiro de Alonso Black e ela revela a fita do bode:
- Ah sim! O Sir Alonso! Pobre rapaz! Ele andava com problemas sérios com bebidas e tive que interná-lo no AA de Azkaban e desde então está lá numa cela fumando muitos charutos cubanos e certamente produzindo muitos posts no sense no blog dele como terapia ocupacional para ver se esquece da bebida!
Depois disso Pipi deixa Levix tomando glicose no SUS devido os efeitos do porre e chás alucinógenos de Marix e parte para Azkaban conversar com Alonso Black.

# O encontro com Alonso Black
Alonso Black estava numa cela com proteção de vidro no final dum corredor feito de pedra. Ao avistar Alonso lá estava ele trajado com uma camiseta do Vol 4 do Black Sabbath, calças de moleton e crocs. Estava jogando golf de tapetinho com um charuto na boca que encobria sua cara barbuda numa nuvem espessa de fumaça de tabaco.
Lucas Pipi então pergunta na lata para Alonso Black:
- Olá bode velho! Eu vim aqui saber se você, tipo assim, por acaso, sabe de alguma coisa sobre como encontrar e exterminar o BJ Bill e salvar a Gnutrix dos planos malzinhos dele?

Do meio daquela nuvem de fumaça de charuto parte uma gargalhada e uma fala típica de advogado malandrão:
- Hahahahahahahahahahahahahaha-ha! Por que acha que eu saberia disso hein? Eu quero mais é que aquele velho idiota foda mesmo com a Gnutrix que não vale mais merda nenhuma brodi! Tá achando que sou filantropo man? Para saber de alguma coisa de como achar e acabar com a raça daquele escroto do BJ vai ter que me dar algo em troca! Quid pro quo mano! Quid pro quo baby!
- Aff que tédio… Enfim… o que você quer em troca Alonso?
Alonso para de jogar golf e senta-se numa cadeira e solta uma baforada de charuto contra o vidro e dá um sorriso irônico e diz:
- Ora bolas do meu saco Pipi! Me conte tudo e não esconda nada! Me diz aqui entre nós, em segredo, tu ainda sonha com a cabritinha do Patrick?
Lucas Pipi chocado por ter que confessar seus sonhos eróticos com Patrick Cabrito conta em detalhes seus sonhos sórdidos. Depois disso Alonso Black orienta Pipi a procurar o Hanger ex-comparsa de BJ no Reino dos Deboches para obter mais informações sobre o paradeiro de BJ e seus planos.
Após essa conversa insana Lucas Pipi parte para o interior de Minas Gerais interrogar Hanger cujo apelido também era “Garganta Profunda”. O codinome pelo qual ficou conhecido um informante que deu as informações aos jornalistas do Washington Post que desmascararam o plano do presidente Richard Nixon para destruir os rivais do Partido Democrata. Agora tal alcunha servia para um mineiro com cabelo de tigela, o qual poderia vir a ser o suposto cagueta dos planos de BJ para destruir com a Gnutrix.
Pipi encontra Hanger comendo queijo na beira dum riacho enquanto também pesca e obtém de Hanger as seguintes informações:
- Oia pel qui iue cunheçu bem du Big Jão, cá qui entre nois, é qui o homi num anda batendu bem da caxuleta já faiz mode uns trinta cuarenta anu uai! Intão ieu achu mió ocê vortá lá e tirá mais um dedin de prosa cum o bodi e vê se el ti dá mais arguma infurmação purquê iue memo num lembru di mais nadin di nada mode qui tomei mucha caxassa dispois dessa epúca i também fiquei mei gorgue da caxuleta…
Ao retornar para Azkaban, Pipi narra sua conversa com Hanger e tenta obter mais informações de Alonso que ao saber dos relatos da conversa com Hanger diz:
- Everybody lies Pipi… Acha mesmo na sua tola ingenuidade que iria tirar alguma coisa dum mineiro? Ele não é babaca como o Aécio Neves ora bolas! O Hanger é um cofre forte de informações! Se quiser saber algo dele terá que arrombá-lo! Por isso peça ajuda ao Chico Kojak e Roger Monkey e desçam o porrete nesse mineiro duma figa para que ele confesse tudo que sabe de BJ e seus planos… E quando voltar aqui me traga uma caixa de charutos e uma garrafa de Jack Daniels! E tenho dito!
Mais uma vez Lucas Pipi segue as orientações de Alonso e parte para a nova fase da empreitada investigativa. Chegando na casa de Hanger logo metem o pé na porta e colocam Hanger numa roda de pontapés até que ele fique completamente sem reação e Roger Monkey toma a palavra:
- O senhor é um fanfarrão hein Hanger! Você não é debatedor é moleque! Agora me diz seu merda! Cadê o BJ? Cadê a porra do BJ, filho da puta?
- Ieu num sei di nadin uai!
- ô Chico! Bota essa desgraça comedora de queijo no saco!
Chico Kojak pega um saco plástico e sufoca Hanger, depois Roger Monkey continua o interrogatório truculento:
- Quando escuto esse mimimi que “não sei de nada”, parceiro, eu tenho vontade de sair metendo a porrada. Sabia disso Hanger? Sabia seu bosta? Agora olha aqui pra mim vagabundo! Olha! Cadê a porra do BJ? Cadê?
- Ieu já disse qui num sei du Big Jão uai! Mi deixa in paiz satanaiz!
- ô Pipi aspira! Pega aquela vassoura ali pega! – Depois disso Roger continua tocando o terror:
- Eu vou enfiar esse cabo de vassoura no seu rabo seu filho da puta se você não abrir o bico sobre onde é que tá o merda do BJ!!! E Hanger retruca:
- Ieu já falei mir veiz qui num sei nadin du Big Jão, cê é surdin macaquin? Enfia logu esse cabin de vassora ni mi que eu to afim memo uai!
Roger fica completamente puto da cara e aos berros ordena para o aspira Pipi:
- Traz a doze pra mim Pipi! E coloca a sementinha do mal nela que eu vou estourar com o rabo desse zé roela é no chumbo mesmo!
Roger engatilha a escopeta enfia no rabo do Hanger e puxa o gatilho e explode com a bunda do mineiro fazendo voar bosta e sangue por todos os lados e depois disso Chico diz:
- Carai mano! Quem vai limpar essa merda toda?
- Manda o aspira limpar essa merda toda! Essa pica não é mais minha. Essa pica agora é do aspira!
Depois de bancar a faxineira e ocultar todos os vestígios da morte de Hanger, Lucas Pipi vai mais uma vez em busca de informações com Alonso. Ao chegar no AA Azkaban pela terceira vez, Lucas descobre que Alonso fugiu e ninguém sabe onde o bode poderia ter ido. Nesse mesmo momento o celular de Pipi toca e Alex Chicken informa que BJ Bill seqüestrou Levix Gandalf e que precisa da ajuda dele para procurá-lo.

# Desfecho inusitado para um série de fatos sem sentido…
Enquanto isso Alonso Black está numa barbearia fazendo a barba e cortando sua cabeleira. Solicita ao barbeiro que o deixe com uma aparência comum semelhante a dum inofensivo nerd. Depois do novo visual pronto Alonso se disfarça de Testemunha de Jeová e vai até a casa BJ Bill simulando uma visita rotineira de pregação as quais BJ sempre dá ouvidos. Mediante tal dissimulação e disfarce Alonso consegue fazer com que BJ o receba em sua casa sem desconfiar que se tratava de seu velho arqui-inimigo.
No meio da pregação fake sobre fim do mundo e Armagedon, Alonso nota um descuido de BJ que ao dar as costas para o suposto TJ recebe um golpe de vaso na cabeça. Mas devido a cabeça de BJ ser tão dura como o cabeção de Tavinho, o vaso se quebra e nenhum mal faz a Big John que se vira e agarra Alonso pelo colarinho sem ainda reconhecer que era o bode malvado.
A partir disso começa uma luta de kung fu gnutrix entre ambos. Golpes mirabolantes que deixaram Bruce Lee morto de inveja se sucedem na luta até que depois de levar um chute na pança BJ atravessa a parede e cai desmaiado no chão. Aproveitando o suposto nocaute de BJ, Alonso passa a vasculhar a casa e encontra Levix preso no porão e nesse mesmo momento chegam ao local os outros agentes da Gnutrix que estavam a procura de seu mestre.
De repente BJ ressurge e usa seus poderes quixotescos se transformando numa série de centenas de Mayaras Mans que começam a bater em todos. Quando a luta parece perdida e tudo acabado para os Gnutrix eis que surge Marix voando em sua vassoura e pousa ao lado do BJ e lhe serve uma xícara de chá. BJ agradece a gentileza sorve o chá num gole e começa a passar mal. O efeito do chá faz BJ rodopiar e cair babando no chão com os olhos arregalados.
Marix usando seus poderes harrypotterianos havia conseguido criar um chá com efeitos de apagamento de memória e com isso fez um delete de toda sanha malévola de BJ em destruir a Gnutrix e todos voltam a ser amigos novamente.
Eis um final feliz para uma história de muitas picuinhas por nada.
FIM

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Deus

Há dois tipos de pessoas: as que têm medo de perder Deus e as que têm medo de O encontrar.
(Pascal)


Leonardo Levi está em frente ao seu computador portátil escrevendo alguma coisa. Alguém entra na sala. Um mendigo imenso e muito feio. Levanta-se. Cumprimenta-o. Forte aperto de mãos. Deja-vu. Estranheza no ar. Mistério.
_Sente-se, por favor. - Disse Leonardo. Ele se senta. O sofá é grande e macio. Carpetes. Incensos e velas apagadas. Grandes janelas convidavam a luz do dia para entrar na sala. E deixava tudo bonito e arrumado. Limpeza. Olha para os lados, estranhando toda a sofisticação do lugar.
_Quando me mandaram procurar o senhor, não imaginei que fosse encontrar algo tão chique. Disse o mendigo. Risos.
_Tudo bem. Eu sabia que precisava receber o senhor, mas não sabia exatamente qual seria o propósito do nosso encontro, nem exatamente quem era o senhor... – Diz Leonardo.
_Então danou-se. Por que eu também não! - Disse o mendigo. Risos mútuos.
_Olha, pelo que sei o senhor está escrevendo um conto, e eu também. O que pensei é que podíamos usar nossas idéias em comum para criar um conto que juntasse tudo... - Disse Leonardo.
_Como é que o senhor sabe sobre o meu conto? - Disse o mendigo com espanto.
_Não é por isso que o senhor veio? - Disse Leonardo.
_Não, é claro que não! - Disse o mendigo.
_Então o que o senhor quer? - Disse Leonardo.
_Eu preciso de ajuda, pois eu já não sei mais o que fazer... - Disse o mendigo.
_Com respeito a... - Disse Leonardo.
_Esses sonhos que eu tenho, sabe. Estou muito preocupado com eles... - Disse o mendigo.
_Me desculpe. Acho que o senhor deveria ter procurado algum psicólogo, ou psiquiatra, como sabe eu não sou um clínico... - Disse Leonardo.
_Eu não sei quem você é. Só sei que tinha que vir falar com você. E que você era um Messias! - Disse o mendigo.
_O que? Espanto. _Quem foi que te falou isso? - Disse Leonardo.
_Um profeta, ora bolas, quem mais seria? - Disse o mendigo.
Estranheza total.
_Meu senhor, me desculpe, mas não estou entendendo nada. - Disse Leonardo.
_Vai me dizer que ainda não te avisaram? - Disse o mendigo.
_Avisaram do quê? - Disse Leonardo.
_Ai, ai. Normalmente eles deixam essa tarefa pra outra divindade. Eu não tenho experiência nisto... Não me falaram que era pra contar, mas também não falaram que não era pra contar. Então, vou ter que te contar. - Disse o mendigo.
_Contar o quê? - Disse Leonardo.
_Que você é um Messias, ora bolas. - Disse o mendigo.
_E que diabos é isso? - Disse Leonardo, espantado.
_Você não sabe o que é um Messias? - Disse o mendigo.
_Messias? Tipo Jesus Cristo? - Disse Leonardo.
_Isso mesmo. Messias é um mortal, que como qualquer outro, tem sonhos. Os sonhos que ele tem são reflexos de um significado. E estão cheios de ensinamentos. Ensinamentos que serão seguidos pelos seres humanos das próximas gerações. Por isso, todo Messias deve ser respeitado. Até mesmo pelas divindades. Temos todos que fazer o que ele mandar, pois tudo faz parte de um propósito. Entendeu? - Perguntou o mendigo.
Silêncio.Atônito.
_Você não tem tido muitos sonhos ultimamente? - Continuou o mendigo.
_S-sim. Mas eles não têm nada a ver com isso. - Gaguejou Leonardo.
_Então sobre o que são seus sonhos? - Perguntou o mendigo.
_Na verdade eu estou escrevendo uma série de contos. Estou transcrevendo a história do meus sonhos no papel... - Respondeu Leonardo.
_Será que me mandaram falar com a pessoa errada? - Perguntou o mendigo.
_Com certeza. Eu não sei do que o senhor está falando. - Respondeu Leonardo.
_Então me fala o que você sabe. - Pediu o mendigo.
_Oras, um amigo meu, muito querido, companheiro de sociedade me pediu para atendê-lo. - Disse Leonardo.
_E você confia nesse seu amigo? - Perguntou o mendigo.
_É claro. É praticamente um irmão pra mim. Soube deste conto que estava escrevendo e disse que você iria me ajudar a fazer a história. Disse que você tem experiência nisso. - Respondeu Leonardo.
_E essas histórias, falam sobre o quê? - Perguntou o mendigo.
_São como parábolas alegóricas cheias de metáforas existenciais, escritos em prosa poética, com andamento de suspense e mistério. - Respondeu Leonardo.
_Que coisa complicada, rapaz! E por que está fazendo isso? - Perguntou o mendigo.
_Por que estou tentando criar um texto que provoque reflexões ao mesmo tempo em que tenha sentimentos e faça o leitor parecer fazer parte da trama. - Respondeu Leonardo.
_E por que diabos quem lê têm que se sentir fazendo parte da história? - Perguntou o mendigo.
_Por que dessa forma eu posso fazer a pessoa sentir emoções que ela nem sabia que sentia. Talvez assim eu possa  transformar pessoas. - Respondeu Leonardo.
_Mas isso é exatamente o papel de um Messias. Por que você está me dizendo então que não é um? - Perguntou o mendigo.
_Eu não estou esperando que muitas pessoas leiam isso. Na verdade eu acho que a maioria das pessoas se interessa por leituras menos profundas e mais simples. - Respondeu Leonardo.
_E isso é bom ou ruim? - Perguntou o mendigo.
_Oras, eu penso que se elas pudessem desenvolver mais a autoconsciência, isso seria melhor para elas. - Respondeu Leonardo.
_Se você está falando, quem sou eu para discordar? - Perguntou o mendigo.
_Como vê, senhor, o que faço não tem nada de mágico... - Respondeu Leonardo.
Risos.
_Você sonha as histórias... - Disse o mendigo.
_Sim. - Respondeu Leonardo.
_E escreve elas no papel? - Perguntou o mendigo.
_Como eu te falei. - Respondeu Leonardo.
_E elas possuem esses feitiços que você falou, que transformam pessoas! - Exclamou o mendigo.
_Não são feitiços. São elementos de retórica. - Respondeu Leonardo.
_Que seja. Não acha que tem alguma coisa a mais nisso? - Perguntou o mendigo.
_Sim. E é por isso que estou escrevendo. - Respondeu Leonardo.
_E o que vai fazer quando elas começarem a acontecer? - Perguntou o mendigo.
Risos silenciosos.
_Como assim acontecer? - Perguntou Leonardo.
_Oras, como é que as coisas acontecem? - Perguntou o mendigo.
_Você quer dizer, no mundo real? - Perguntou Leonardo.
_Oras bolas, é claro, onde mais? - Respondeu, perguntando, o mendigo.
_Não! É tudo ficção... São sonhos. Sonhos são ilusões. - Respondeu Leonardo.
_Nunca! Os sonhos de um Messias não são ilusões. São revelações. - Respondeu o mendigo.
_O senhor me desculpe, mas minhas crenças individuais me impossibilitam de ver as coisas por esse ângulo. - Disse Leonardo.
O mendigo levanta-se. Torna-se uma figura enorme. Aponta o dedo.
_Escute aqui, mortal. Preste atenção. Você está falando com um imortal. Você é um Messias. Respeite isso. E eu sou seu pai! - Gritou o mendigo.
Silêncio.
_Se eu não tivesse sonhado, você não estaria nem aqui, em primeiro lugar. Portanto, me respeite. - Disse firmemente, o mendigo.
Medo. E continua:
_E você sabe muito bem do que eu estou falando. Não se faça de besta. Você sabe que seus sonhos irão se tornar realidade, e tem provas disso. - Disse o mendito, de forma muito séria.
Coração acelerado.
_Pensa que eu não sei que você sonhou com essa cena que está acontecendo neste instante? - Continuou o mendigo.
Gelo.
_Você sonhou e sabe disso. E sabe que vai ter que escrever sobre ela. E ela já está se cumprindo. - Continuou o mendigo.
Silêncio. Leonardo, encolhido na cadeira, coração acelerado, começa a soluçar.
_S-sim. É verdade. Eu realmente sonhei com isso. É que eu ainda não tinha compreendido. - Gaguejou Leoanrdo.
Risos. Gargalhadas. O gigante ria, enquanto Leonardo continuava encolhido. Escorria-lhe uma lágrima.
_Eu vi esse seu jeito de espanto. Essa carinha de coincidência. Tava sentindo que isso já havia acontecido antes. Talvez num sonho, não é? - Perguntou o mendigo.
Espanto.
_S-sim. Estava. Como você sabe? - Perguntou Leonardo.
Gargalhadas.
_São duzentos mil anos de experiência, meu filho. Estou aqui desde que o mundo é mundo. - Respondeu o mendigo.
_E como isso é possível? - Perguntou Leonardo.
_Boa pergunta. Isso eu não sei responder. - Respondeu o mendigo.
_Me conte sua história! - Pediu Leonardo.
_O que quer saber? - Perguntou o mendigo.
_Da onde eu vim, quem eu sou? Eu quero saber tudo! Comece do princípio! Conte-me os detalhes! - Pediu Leonardo.
_A história é comprida. - Respondeu o mendigo.
_Então me conte somente as partes principais. Os motivos e os significados. - Respondeu o mendigo.
_Vixe! Eu não sei ficar enfeitando história como o senhor faz não. Não está vendo que eu sou um mendigo? - Respondeu o mendigo.
_E quem disse que por ser mendigo não tem que saber? - Perguntou Leonardo.
_Tem razão. Mas minhas histórias são detalhadas demais. Cheias de símbolos e carentes de explicações alongadas e detalhistas. - Respondeu o mendigo.
_Conte-me só o essencial. O que preciso saber! - Pediu Leonardo.
_Como Messias? Como mortal? Não tem muito que você consiga aprender não. E também não sou bom professor. Por isso que você veio, oras bolas, para explicar. E eu sou o que sou. - Respondeu o mendigo.
_Se você é tão poderoso, então por que precisa de mim? - Perguntou Leonardo.
_Quem disse que eu sou poderoso? Sou um mendigo, já não te disse? - Perguntou, de volta, o mendigo.
_Mas pelo jeito que você fala, é como se você fosse um deus! - Exclamou Leonardo.
Nuvens no céu. Escurece o tempo. Ventos. Levanta-se, ódio nos olhos. Sobe em cima da mesa. Segura Leonardo pelo colarinho. Levanta-o.
_Escute aqui, rapaz, você me respeite! Entenda com quem você está falando! - Gritou o mendigo, enquanto atirava-o ao chão. Medo. Lágrimas.
_Eu não estou entendendo nada. Me diz o que eu tenho que fazer! - Exclamou Leonardo.
_Vocês mortais, são todos iguais. Deixe de choramingar, moleque. Será que vocês humanos não sabem fazer outra coisa? - Perguntou o mendigo.
E as nuvens vão embora. Volta a paisagem.
_Eu já nem sei mais como lidar com vocês. Será que vocês nunca vão entender? Que pelo que vocês são, algumas coisas vocês nunca vão compreender. Você tem que aprender a reconhecer o seu destino. E fazer com que se cumpra. Para que a harmonia de tudo o que existe siga, do jeito que tem que seguir. Pense rapaz. Você já deve ter sonhado com isso. Você sabe o meu propósito? O que eu tenho que fazer? Como eu apareço nessas histórias que você sonha? - Perguntou o mendigo.
Soluços.
_Na verdade eu tinha sonhado com uma personagem muito parecida com você. Mas ele é uma espécie de mensageiro, que leva informações para outras personagens. - Respondeu Leonardo.
_Sério? Este é o meu papel? Conte-me mais sobre esse mensageiro... - Pediu o mendigo.
_Eu ainda não tinha pensado direito o que ele ia se tornar. Acho que você acabou de me explicar melhor... - Respondeu Leonardo.
Risos. E o clima descontraído havia voltado no ar. Estavam mais calmos. Conformados.
_Você leva convites para pessoas. Convites em papéis em branco. Chamando-as para algum tipo de festa, ou algo do gênero. Essa festa acontece em uma misteriosa mansão abandonada. Trata-se de um baile de máscaras. E nesse baile, acontecem umas alegorias interessantes sobre a condição humana. No que escrevi até agora, as histórias são como sonhos. E acontecem coisas que só acontecem em sonhos. Nos sonhos recorrentes. E os leitores vivem num mistério. Não sabem se todos os personagens estão mortos, se estão sonhando ou se faz parte de alguma realidade alternativa ou algum experimento com drogas. Na verdade, eu ainda não revelei nada. - Continuou Leonardo.
_Nossa, que interessante. E qual vai ser o final da história? - Perguntou o mendigo.
_Ainda não sei. Vou ter que sonhar ainda... Estou escrevendo o que sonhei até agora... - Respondeu Leonardo.
_E esses outros personagens? Procurou ver se eles existem no mundo real? - Perguntou o mendigo.
_Não, não. Não existem. Eu inventei os nomes. Fazem parte de alguns símbolos e alegorias que pensei. - Respondeu Leonardo.
_Mas se você sonhou, eles devem existir sim... - Respondeu o mendigo.
_Impossível. - Disse Leonardo, rindo.
Olhos penetrantes. Sérios. Medo.
_Digo... - Gaguejou Leonardo.
_Olha, eu não vou mais ficar perdendo tempo aqui. Eu só quero um pouco de paz. Diz-me logo o que eu tenho que fazer. Vamos parar de besteira. - Disse o mendigo.
_O que você quer que eu faça? - Perguntou Leonardo.
_E eu é que sei? Você é o Messias, você é quem dá as ordens. - Disse o mendigo.
_Estou completamente perdido. - Respondeu Leonardo.
Levanta-se. Mãos nos ombros. Fala como um pai. Calmo, mas incisivo.
_Tudo bem, meu filho. Sei como deve estar se sentindo. Foi muita informação para sua cabeça de uma vez só... Descanse. Sonhe. As respostas virão na hora certa. E quando vierem você irá entender. O destino não iria escolher você como Messias à toa. Eu vou embora. Vou morar na praça que fica aqui na frente desse prédio. Quando você precisar de mim, é só me chamar. De onde você estiver, Eu vou ouvir. - Respondeu o mendigo. Afasta-se. Caminha até a porta e fala, sem se virar:
_A missão que tens pela frente não será fácil meu filho. Muito sangue e muita dor te esperam. É preciso que tenha fé. E que tente ao máximo possível reconhecer os símbolos.
Deixa a sala. Silêncio e medo no ar. O olhar volta-se para a tela do computador. Havia terminado de escrever o conto. E não conseguia se lembrar de nada do que havia ocorrido, enquanto escrevia o conto. Perturbado com o que havia acontecido com aqueles misteriosos minutos, nem revisou o texto, publicou do jeito que estava.

Que assim seja.


Amém.


L.L.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Amizade

Por João Cirilo.


Chamava-se Dorziro Prudente e era português de Évora. Vivia de rendas como filho único de pais abastados, mortos num acidente de carro havia alguns anos, e morava no Rio. Casado em segundas núpcias – tinha 3 filhos do primeiro enlace – com Célia Áurea, que em matéria de amor tinha um temperamento eclético que Dorziro desconfiava, mas, conservador que era,  tolerava mais em nome das convenções do que qualquer outra coisa.

Mas, se desilusões amorosas são, dentro do possível, aceitáveis e contornáveis, não o são desconfianças mais sérias sobre assassinatos. Primeiro dos pais dele: dona Ana e seu Geraldo morreram num acidente de automóvel por falha mecânica, o que era muito estranho já que o velho era meticuloso com essas questões. Seja como for, a comoriência foi bem vinda para a Aurinha, que casada pelo regime da comunhão universal de bens com Dorziro, transformava-se em herdeira no mesmo ato em que se livrava da sogra, que nunca aceitou o casamento do filho com “aquela sirigaita”.

Além disso, havia a história do incêndio na casa de campo. Dorziro gostava de passar algumas horas num apartamento isolado da casa principal para ler, ver televisão ou tirar uma soneca. Num final de semana o local pegou fogo: só os dois estavam no sítio e ele cismou que ela havia acendido o fogaréu. Certo que nunca provou nada, talvez tudo não passasse de uma desconfiança, mas a desconfiança é assim, vai chegando de mansinho e depois que se instala não há meio de sair.

João Ernesto Cordeiro Leal era investigador de polícia e investigava o incêndio no sítio; portanto, encontrava-se costumeiramente com o casal. Dorziro percebeu sem muito esforço um derramar de olhos de sua mulher para o policial; uma espichada de prosa, um não-sei-quê de mesuras, um toque mal disfarçado (para não dizer sem disfarce algum) de vívido interesse.

Cordeiro era acima de tudo leal e se fazia de desentendido, seus olhos evitavam fitar os dela, fugiam apavorados com a atração fatal que a moça exercia através deles. Ah! Se fossem somente os olhos, mas a boca, o corpo, a voz: tudo exalava um cheiro gostoso e pecaminoso de sexo. Mas, lealdade acima de tudo...

O que Cordeiro Leal não podia esperar era o comportamento de Dorziro, que um dia o abordou em particular:
- Diga-me cá, gajo, a minha mulher espicha uns olhares para ti, estou certo?
O policial, que tinha sincero afeto pelo portuga e tomado pelo susto, procurou desconversar:
- De, desculpe senhor Prudente, gaguejou, mas não é nada disso, sua mulher é decente e...
- Acalme-se rapaz, acalme-se, prá começo de conversa me chame de Dorziro.
- Sim, senhor Dorziro.
- Pois muito bem, jovem. Eu simpatizo contigo e acho até que a simpatia é mútua, pois não?
- Não, quero dizer, sim senhor Dorziro. É exatamente isto. Eu gosto muito do senhor, e mesmo se sua esposa tivesse algum interesse em mim eu jamais deixaria isso fluir por conta do respeito, da amizade e do carinho que nutro pelo senhor. Uma amizade sincera vale por mil afoitezas do coração!
- Ah, falaste bem, meu jovem, falaste bem. Mas, diga-me cá, Cordeiro Leal, a minha mulher não te interessa nem um pouco? Como mulher, digo, como um caso: esqueça a afeição que nutres por mim, considera apenas tu e ela.
- Bem, senhor Prudente, não há dúvida que ela é muito interessante e vira a cabeça de qualquer homem.
- Pois que vire a tua!
- Como assim?
- Simples, há muito que desconfio de minha mulher, senhor Cordeiro. E acho que se ela puder confiar em alguém irá abrir o jogo, confessar tudo o que realmente sente por mim e outras coisas mais, com o que podemos tirar dupla vantagem da coisa: eu, que decifro os fatos, encaro a verdade por mais dura que seja. Tu, que desvendas o caso e ascendes na carreira, que achas?
- Sei não, me parece arriscado.
- Arriscado? Só se for para mim, Cordeiro; afinal tu podes te apaixonar por ela à vera e eu perco de todos os lados, além de ver crescer sobre minha testa a galhada, que bem desconfio não ser pequena...
- Bem, isto é verdade. De fato, então havemos de fazer um trato, um mero trato. E quero que saiba, senhor Dorziro, que minha amizade pelo senhor paira acima de qualquer coisa. Que tudo o que eventualmente acontecer entre mim e sua mulher será apenas meios para apurar a verdade. Chegar aos fatos.
- Feito.

II

            À noite Dorziro não deixou passar nenhuma oportunidade para realçar as qualidades físicas e intelectuais do Cordeiro Leal, qualidades que sua mulher fingia para ele que não via:

- O investigador João Ernesto? Que é isso, Dor, imagine, acho que vc está vendo coisas!

Sim, quem não te conhece que te compre, imaginava o português de seu lado; do outro a Aurinha já se imaginava nos braços, abraços e amassos com o investigador, para ela um “tesão fora de propósito” como gostava de comentar com as amigas, especialmente a Laurinha, amiga e confidente.

Se era difícil para o Leal manter a lealdade sem o aval do português, imagine como não foi a coisa toda não só com o aval, mas praticamente com a ordem peremptória dele: a paixão se alastrou mais rapidamente que o fogo no apartamento do sítio e em pouco tempo estavam sob os lençóis das mais variadas camas, dos mais diversos locais.

Bom de jogo, em pouco tempo o Cordeiro Leal começou a pôr as cartas na mesa, a especular o terreno, a apalpar as circunstâncias enquanto apalpava a mulher. Não demorou muito e disse que estava tomado de uma paixão avassaladora, mas não aquelas passageiras como chuva de verão, mas daquelas perenes e penetrantes como chuva de invernada.
- Tá de brincadeira, Nestinho, aposto que não me tem tanto amor assim.
- Claro que tenho.

 Disse que não conseguiria viver longe dela, que a cada dia ficava mais apaixonado, de uma paixão cada dia mais firme, mais consistente e arrebatadora. Certo dia precisou se ausentar por alguns dias. Especialmente para a despedida falsamente chorosa, e para dizer que sentia saudades antecipadas, decorou um verso de Machado de Assis e declamou na despedida como se fosse dele:
- A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, assim como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras.
- Nossaaaaaaaaa Nestinho, estou apaixonada por você. Sem remédio

III

 - Estou apaixonada por ele, Laurinha, sem remédio, repetiu à amiga.
- Vai deixar o português?
- Vontade não me falta, mas sair assim, sem mais? Ora, não dá, “miga”. Já que nunca me daria o divórcio, se pelo menos fizesse o favor de morrer. Abria o inventário, pegava minha parte na herança, a outra ficava para os coiós dos filhos dele e ia viver à tripa forra com o Nestinho! Claro, antes ele saía da Polícia para ser meu; só meu.
- Mas o homem tem saúde de ferro, pode esquecer isso.
- Claro, era só algo conveniente, ‘miga’ sei que não acontecerá isso, ora bolas.

Mas, remoía a ideia. Por que não? Já dera um jeito de sabotar o carro dos velhos. Maravilha! Aquela desagradabilíssima sogra que nunca disfarçou que não gostava dela, só porque não era “fina e elegante”, mas uma simples moça das Gerais. Pena o seu Geraldo, coitado, um português bonachão; por ela não teria morrido, mas era necessário, afinal tinha dois defeitos insanáveis: era marido da megera e dono do cofre! Pensando bem, merecia morrer também, afinal todo mundo morre, e no caso dele foi apenas uma questão de adiantar o relógio inexorável do tempo!

O incêndio também. Mas, dupla falha. O fogo não pegou como deveria, a fumaça acordou o marido. Ou ele não tomou o sonífero ou tomou pouco, enfim.  Além desse desagradável inconveniente sobreveio outro, bem pior. É que a história de que viera em socorro e por conta da fumaça bateu com a cabeça no batente da porta, desfalecendo para acordar em seguida sem traço de fuligem não pareceu bem aceita.
- Mas o ferimento não está muito no alto da cabeça, Aurinha? Não deveria ser na testa? E nem um naco de fuligem?
Quem perguntava era o chato do filho mais velho dele, Romualdo, tão tonto quanto arredondado. Tão obtuso quanto enfadonho.
- Não sei, Romualdo; como eu vou saber, como vamos saber?
- Hummmmm, fazia o Romualdo.
            Com o que provocava olhares espichados não só do Dor, mas da Aninha e do Felisberto, os outros filhos de Dorziro.

Mas, quem sabe, refletia a interesseira, quem sabe se bem cantado Nestinho não se encanta com a ideia e a gente dá fim nele? Se ele me ama de verdade, refletia com o raciocínio prático dos gananciosos, ele fará. Fará por mim, fará por nós, pelo nosso amor.

Na primeira oportunidade, fez a proposta homicida. Claro, aceita na mesma hora. Passaram ali mesmo a bolar como dariam cabo à vida do inconveniente Dorziro. Sem dor na consciência!

IV

O português acalentava uma ideia inamovível: entendia que só desmascararia a mulher se pudesse fingir que morria. Morte com atestado de óbito, laudo necroscópico, tudo certo, conforme a lei e a justiça. Expõe seu plano a Cordeiro Leal.

- Entendi perfeitamente, Dorziro, você arma uma cena, finge que leva um tiro dela, finge que morre e sai de cena prá poder investigar mais à vontade.  Mas, como saberemos que a Célia Áurea vai atirar em você? E o pior, quem garante que não vai acertar, ainda que seja na antena?
- Simples, uso um colete à prova de balas...
            Porém, é interrompido pelo Cordeiro com um sorriso mordaz:
- Tá brincando? Acha que colete à prova de balas é um maiozinho que nem de ginasta olímpico? A Áurea pode perceber se chegar perto de você. Até seus filhos são capazes de perceber, e a farsa já era. Tenho outro plano.
- Como?
- Espere um pouco. Vou delinear melhor e depois eu conto. Enquanto isso nos falamos.
- Correto, gajo, mas tu não demores que estou querendo pôr cobro a jacto na situação.

E assim vão se falando. Certo dia Cordeiro Leal telefona a Dorziro e diz que ele e Áurea arquitetaram um plano. O português foi, asinha, ouvi-lo. Como a pilantra fala com ódio, em seu íntimo querendo ela mesma dar um tiro “in cuore” do infelicitado cônjuge. Ouve, sereno e estoico, como só acontece com os grandes cavalheiros, a traição sórdida de sua mulher, arrumada entre suspiros e beijos nos braços do amante, e contadas pelo próprio amante, coisa que deixaria qualquer um enfurecido, mas não ele, expressão da temperança e da frieza.

Por sua vez o policial admirava a fleuma, o controle e as boas intenções de Dorziro. Percebia que Dorziro gostava dele e não seria nenhum exagero dizer que ele gostava mais ainda do portuga. À medida que essa afeição espontânea crescia, mais e mais fazia votos sinceros para que tudo desse certo e a bandida fosse realmente desmascarada.

- Esse Dorziro, pensava Cordeiro, esse Dorziro é de um valor moral inestimável; um verdadeiro amigo, honesto, sincero com ele mesmo e com os outros. Que bom ter caído nas graças dele e melhor ainda poder colaborar para que tudo se arranjasse da melhor forma possível.

V

Entre lençóis, Cordeiro Leal planeja a trama com a amante. É simples. Um jantar em família, ela deixa a porta aberta, ele, disfarçado de ladrão entra no apartamento, anuncia o assalto, dá um jeito de se atracar com Dorziro, deixa a arma cair no chão, ela pega e atira no marido fingido que atirava no ladrão. Um plano sensacional que ela aprova imediatamente.

Ele só não conta a parte crucial: o revólver estaria municiado com balas de festim, a morte era de mentira e o plano de Dorziro surtiria o efeito desejado. O mesmo plano o amigo Leal combina com Dorziro, repassa-o nos detalhes:

-  Então, Dorziro, vc usa aquela tinta vermelha por debaixo da camisa, cuja tampa se abrirá graças ao mecanismo instalado em suas costas. Quando nós nos atracarmos, deixo cair o revólver, aciono o dispositivo tão logo a Áurea atire, puxo o equipamento bem rápido e guardo, o que será fácil porque a atenção de todos estará voltada prá ela, pro tiro e prá vc caindo.
- Sim, sim, mas não te esqueças dos projéteis de festim.
            Uma recomendação desnecessária, mas não inválida, afinal de contas cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
- Claro, Dorziro, os projéteis de festim são a alma da situação toda. Do contrário o plano não funciona.
- Então está acertado. Vamos tomar um cafezinho e aproveitar para um joguito da Sena, que me parece que se acumulou e vai pagar mais de 100 milhões!
- Mas, você já e rico, Dorziro.
-  Sim, mas o jogo é por diversão, pois. E se ganhar mais, mal não faz, não é?

Saem, fazem o jogo. Cordeiro Leal acaba pegando o volante e se separam rapidamente, de sorte que o investigador-amante-comparsa não tem tempo de entregar o comprovante ao amigo. Bem que de longe ainda acenou para o querido companheiro, mostrando o bilhete:

- Guarda contigo, ouve como resposta.
Puxa, pensou o comparsa, isso que é confiança. Um verdadeiro e bom homem. Que Deus o proteja.

VI

Sozinho em casa, Cordeiro Leal mentaliza a cena que virá. Pensa nos detalhes, no projétil de festim, arquiteta a maneira pela qual chamará a atenção do zelador e de como o porá fora de combate. Dorziro já telefonara dizendo que havia prendido a engenhoca no corpo, e tudo tinha saído como haviam combinado e ensaiado, não uma, mas muitas vezes. Saboreia tudo isso antecipadamente. A fingida cara triste da Célia Áurea na frente dos familiares após desfechar o tiro, a queda do marido, o sangue. Apesar do lamentável erro de execução, a pose de heroína por defender a família do violento roubador, que foge em meio à confusão, para chegar logo depois na pele do investigador, ali por mero acaso, e já tomando conta da situação.

Mas o bom, o bom mesmo é que exceto Célia Áurea e Dorziro, ninguém sabia dele. Num autêntico “só sabe quem precisa saber”, a parte que lhe tocava se restringia a eles e ninguém abriria o bico, por óbvio. Tramando tudo no silêncio, era peça fundamental de todo o esquema, mas agindo pela mão de outrem.

Está distraído. Pensa no jantar, nos abraços fingidos entre marido e mulher. Talvez um beijo ainda mais fingido. Ri consigo mesmo da situação, saboreia a vingança do bom amigo Dorziro, merecedor de todas as homenagens, de toda lealdade, ainda mais agora que conhece bem Célia Áurea, de quem ouviu confissões sobre as mortes dos sogros, sobre o incêndio... Pobre e bom Dorziro, pensa ele, enquanto liga maquinalmente o rádio e vai carregando  o revólver com as balas de festim. Uma a uma.
Subitamente é tirado do devaneio ao ouvir o locutor:
- Atenção, atenção para o sorteio da Mega Sena acumulada. O prêmio passa de 150 milhões.

Lembra-se do bilhete do amigo deixado em suas mãos. Será que Dorziro se esqueceu? Ou lembra bem que deixou com ele? Não tem como saber; e menos ainda se ele também ouviu o resultado, se eram números que sempre jogava, se os filhos tinham conhecimento da sequência. E o cartão está logo ali, marcando displicentemente um salmo qualquer na Bíblia.
O locutor avisa que os números serão repetidos. Não acredita quando vê que o português acertou os 6 palpites!!!! Acreditou menos ainda quando ouviu que só teve um ganhador!!!!
Que coisa, pensa João Ernesto. Se é bom que exceto o casal (e cada qual ao seu modo) ninguém mais sabe que ele seria o ladrão disfarçado, melhor ainda que detém o bilhete vencedor. Mas, aquela dúvida lhe atenaza: Dorziro ouviu o sorteio? Sempre jogava aquela sequência? E se cobrar o bilhete? Que maçada!
Um pequeno sorriso lhe assoma no canto da boca acompanhando uma ideia excelente. E, calmo e sereno, João Ernesto tira uma a uma as balas do tambor, repetindo a cada projétil os números sorteados.
Resoluto e confiante, marcha até a cômoda onde pega seis balas verdadeiras; e no mesmo ritual, repetindo mentalmente os seis números da Mega Sena acumulada e milionária, vai recarregando o revólver, cada bala um número sorteado.
Deixa o bilhete no mesmo lugar, em meio aos salmos. Recebe agora a ligação de Célia Áurea confirmando tudo, e antes de sair confere pela última vez o tambor e os projéteis, chega até a beijar o último deles, como se fosse o último número sorteado, o bilhete-projétil da sorte grande.


- E que sorte, sorri consigo mesmo o amigo João Ernesto Cordeiro Leal!