Ao
leitor de país estrangeiro (ou nacional de região longínqua), que porventura
ainda não conheceu a história da Santa, cabe-me afirmar que Dulcineia nasceu
por volta de 1942, sendo natural de Toboso, cidadela no interior da província
Macau. Pois bem, reza a historia, narrada pelos habitantes de Toboso, que a mulher,
ou melhor, a jovem Dulcineia (pois veio a falecer com 21 anos em um incêndio na
própria casa), foi responsável por uma série de milagres prodigiosos. Todavia,
pelo fato de Toboso ser isolado dos grandes centros urbanos, a história da
milagrosa, ao contrário do que se espera, não se espalhou de forma rápida,
tanto que somente 60 anos depois foram surgir as primeiras obras religiosas sobre
a Santa.
De
fato com o passar do tempo muitos se interessaram pelo tema. Dentro deste grupo
está o pastor Carlos Omediatto que publicou recentemente um livro sobre os
milagres da Santa. Apenas para registro, o mesmo pastor construiu um grande templo
em Toboso para glorificar os feitos sobrenaturais de Dulcineia. Mas nem sempre
a Santa foi motivo de gloria. Por exemplo, há notícias que em vida Dulcineia
foi acusada de bruxaria pelos religiosos conservadores de Toboso.
Com
base nesses e outros relatos que concluí que muito se afirmou sobre Dulcineia e
pouco realmente se pode provar em função da falta de material, e é por esse
motivo que procurei pesquisar mais sobre o assunto. Por muita sorte, em minhas
andanças por Toboso, encontrei uma figura singular chamado Eduardo Convellas,
um velho ateu (penso ser) e misterioso (isso tenho certeza) que quando conheci
tinha 82 anos. O homem era de pouca conversa e um tanto taciturno (muitos em
Toboso achavam que ele era louco), e para piorar a situação ele morava sozinho
em uma pequena casa a 12 km da cidadela. Foi por razões desta monta que tive
que me esforçar muito para conseguir extrair algum fato sobre a Santa. Depois
de muita prosa e visitas, Eduardo foi aos poucos relatando suas aventuras de
vida e contou-me que durante o período escolar não conheceu bem Dulcineia, mas
foi o suficiente para me esclarecer o que segue. Dulcineia era uma jovem e
talentosa estudante apaixonada pelas ciências, em especial a química. Além
disso, até onde compreendi da narrativa entrecortada do velhaco, a Santa tinha
a majestosa intenção de ajudar pobres, doentes e miseráveis através da ciência.
Todavia, Eduardo relatou que poucas vezes viu Dulcineia se socializando com os
moradores de Toboso, sendo que ela era muito receosa de comentar de seus
estudos, salvo exceção com aqueles que eram mais sapientes.
Na
semana seguinte Eduardo também comentou que certo dia de seus jovens anos ouviu
Dulcineia falando a Joana (que se conhecerá em breve) sobre um tipo de horta comunitária
que utilizaria um sistema barato e revolucionário de plantio. Nestes tempos a
curiosidade atiçava cada vez com mais intensidade meu interesse em destrinchar
o passado de Dulcineia e, por isso, não resisti à ansiedade e pedi para que o
velhaco continuasse a viajar por sua memória e relatasse sobre o mais famoso milagre
da Santa, mas naquele dia o ancião se fechou em sua carranca dando a desculpe
que até os animais de Toboso já conheciam essa história e não havia mais o que
falar.
Eu
sabia que ele estava me escondendo alguma coisa e somente 6 meses mais tarde consegui
convencê-lo a falar, depois de muito lhe insistir e de lhe ajudar em alguns
consertos de seu barraco. Enfim, para quem não conhece, o milagre o qual estava
interessado era o da conversão de água em cerveja. Para a população da região e
segundo o livro do pastor Carlos Omediatto, que, diga-se de passagem, é
considerado o mais completo sobre o tema, o dito fenômeno sobrenatural
aconteceu nos seguintes termos. Dulcineia tinha uma grande amiga de infância
chamada Joana, que quando completou 18 anos veio a se casar com Oswaldo, moço
de família tradicional de Toboso. Na festa de casamento Dulcineia, por muita
consideração pela amiga, ficou responsável por servir as bebidas. Acontece que
naquele dia o estoque de cerveja estava acabando e os convidados, a despeito da
escassez, continuavam bebendo. Assim, conta o pastor Carlos que das 12 caixas
de cerveja compradas Dulcineia realizou o milagre de servir mais de 20 caixas
durante quase toda a madrugada.
O
trecho mencionado acima relata a estrutura básica do milagre que Eduardo jura
ser verdadeiro até certo ponto. Explicarei. Contou-me o velhaco que Joana era
uma moça muito bonita, mas que, ao avesso de Dulcineia, tinha a mente fraca,
além de ser muito tímida. Oswaldo, em contrapartida (pois não era tímido),
figurava num rapaz alcoólatra que pouco se esforçava nos estudos. O rapaz se
enamorou da bela jovem e resto do conto já se sabe. Dulcineia, por sua vez, não
gostava de Oswaldo e muito menos de seus amigos por serem “uma corja de
beberrões imbecis” (assim falou Eduardo), todavia, por respeito à opção da amiga,
Dulcineia ajudou muito nos preparativas da festa de casamento. Aconteceu que no
dia da festa, quando a cerveja estava acabando, Dulcineia correu para sua casa
e buscou um destilador portátil (que ela mesma construiu) e, se aproveitando de
alguns líquidos que encontrou na cozinha do salão de festas, a Santa destilou
cerveja! A bem da verdade nem foi tanto assim. Disse-me Eduardo que naquela ida
noite ele estava na festa como convidado (em parte a contragosto) e, por ser um
jovem que não consumia bebida alcoólica, ainda estava bastante lúcido quando
decidiu tomar “apenas um gole” para se livrar do tédio. Mas o “gole” que ele
tomou tinha um gosto muito estranho e só depois (quando foi investigar a
cozinha) ele descobriu que a cerveja (ou quase isto) que havia tomado era aquela
destilada pela Santa. Fato é que Dulcinéia recolhia as garrafas vazias e lhes
reenchia (com o resultado da destilação), sendo que os convidados, por já
estarem muito bêbados, não perceberam nem as garrafas usadas nem o gosto ruim.