Há
dois tipos de pessoas: as que têm medo de perder Deus e as que têm medo de O
encontrar.
(Pascal)
Leonardo Levi está em frente ao seu
computador portátil escrevendo alguma coisa. Alguém entra na sala. Um mendigo
imenso e muito feio. Levanta-se. Cumprimenta-o. Forte aperto de mãos. Deja-vu. Estranheza
no ar. Mistério.
_Sente-se, por favor. - Disse Leonardo. Ele se senta. O sofá é grande e macio.
Carpetes. Incensos e velas apagadas. Grandes janelas convidavam a luz do dia
para entrar na sala. E deixava tudo bonito e arrumado. Limpeza. Olha para os
lados, estranhando toda a sofisticação do lugar.
_Quando me mandaram procurar o
senhor, não imaginei que fosse encontrar algo tão chique. Disse o mendigo. Risos.
_Tudo bem. Eu sabia que precisava receber o senhor, mas não sabia exatamente qual seria o propósito do nosso encontro, nem exatamente quem era o senhor... – Diz Leonardo.
_Tudo bem. Eu sabia que precisava receber o senhor, mas não sabia exatamente qual seria o propósito do nosso encontro, nem exatamente quem era o senhor... – Diz Leonardo.
_Então danou-se. Por que eu também
não! - Disse o mendigo. Risos mútuos.
_Olha, pelo que sei o senhor está
escrevendo um conto, e eu também. O que pensei é que podíamos usar nossas
idéias em comum para criar um conto que juntasse tudo... - Disse Leonardo.
_Como é que o senhor sabe sobre o meu conto? - Disse o mendigo com espanto.
_Não é por isso que o senhor veio? - Disse Leonardo.
_Não, é claro que não! - Disse o mendigo.
_Então o que o senhor quer? - Disse Leonardo.
_Eu preciso de ajuda, pois eu já não
sei mais o que fazer... - Disse o mendigo.
_Com respeito a... - Disse Leonardo.
_Esses sonhos que eu tenho, sabe.
Estou muito preocupado com eles... - Disse o mendigo.
_Me desculpe. Acho que o senhor
deveria ter procurado algum psicólogo, ou psiquiatra, como sabe eu não sou um
clínico... - Disse Leonardo.
_Eu não sei quem você é. Só sei que
tinha que vir falar com você. E que você era um Messias! - Disse o mendigo.
_O que? Espanto. _Quem foi que te falou
isso? - Disse Leonardo.
_Um profeta, ora bolas, quem mais
seria? - Disse o mendigo.
Estranheza total.
_Meu senhor, me desculpe, mas não
estou entendendo nada. - Disse Leonardo.
_Vai me dizer que ainda não te
avisaram? - Disse o mendigo.
_Avisaram do quê? - Disse Leonardo.
_Ai, ai. Normalmente eles deixam essa tarefa pra outra divindade. Eu não tenho experiência nisto... Não me falaram que era pra contar, mas também não falaram que não era pra contar. Então, vou ter que te contar. - Disse o mendigo.
_Ai, ai. Normalmente eles deixam essa tarefa pra outra divindade. Eu não tenho experiência nisto... Não me falaram que era pra contar, mas também não falaram que não era pra contar. Então, vou ter que te contar. - Disse o mendigo.
_Contar o quê? - Disse Leonardo.
_Que você é um Messias, ora bolas. - Disse o mendigo.
_E que diabos é isso? - Disse Leonardo, espantado.
_Você não sabe o que é um Messias? - Disse o mendigo.
_Messias? Tipo Jesus Cristo? - Disse Leonardo.
_Isso mesmo. Messias é um mortal, que
como qualquer outro, tem sonhos. Os sonhos que ele tem são reflexos de um significado.
E estão cheios de ensinamentos. Ensinamentos que serão seguidos pelos seres
humanos das próximas gerações. Por isso, todo Messias deve ser respeitado. Até
mesmo pelas divindades. Temos todos que fazer o que ele mandar, pois tudo faz parte
de um propósito. Entendeu? - Perguntou o mendigo.
Silêncio.Atônito.
_Você não tem tido muitos sonhos
ultimamente? - Continuou o mendigo.
_S-sim. Mas eles não têm nada a ver
com isso. - Gaguejou Leonardo.
_Então sobre o que são seus sonhos? - Perguntou o mendigo.
_Na verdade eu estou escrevendo uma
série de contos. Estou transcrevendo a história do meus sonhos no papel... - Respondeu Leonardo.
_Será que me mandaram falar com a
pessoa errada? - Perguntou o mendigo.
_Com certeza. Eu não sei do que o
senhor está falando. - Respondeu Leonardo.
_Então me fala o que você sabe. - Pediu o mendigo.
_Oras, um amigo meu, muito querido,
companheiro de sociedade me pediu para atendê-lo. - Disse Leonardo.
_E você confia nesse seu amigo? - Perguntou o mendigo.
_É claro. É praticamente um irmão pra
mim. Soube deste conto que estava escrevendo e disse que você iria me ajudar a
fazer a história. Disse que você tem experiência nisso. - Respondeu Leonardo.
_E essas histórias, falam sobre o
quê? - Perguntou o mendigo.
_São como parábolas alegóricas cheias
de metáforas existenciais, escritos em prosa poética, com andamento de suspense
e mistério. - Respondeu Leonardo.
_Que coisa complicada, rapaz! E por
que está fazendo isso? - Perguntou o mendigo.
_Por que estou tentando criar um texto
que provoque reflexões ao mesmo tempo em que tenha sentimentos e faça o leitor
parecer fazer parte da trama. - Respondeu Leonardo.
_E por que diabos quem lê têm que se
sentir fazendo parte da história? - Perguntou o mendigo.
_Por que dessa forma eu posso fazer a
pessoa sentir emoções que ela nem sabia que sentia. Talvez assim eu possa transformar pessoas. - Respondeu Leonardo.
_Mas isso é exatamente o papel de um
Messias. Por que você está me dizendo então que não é um? - Perguntou o mendigo.
_Eu não estou esperando que muitas
pessoas leiam isso. Na verdade eu acho que a maioria das pessoas se interessa
por leituras menos profundas e mais simples. - Respondeu Leonardo.
_E isso é bom ou ruim? - Perguntou o mendigo.
_Oras, eu penso que se elas pudessem
desenvolver mais a autoconsciência, isso seria melhor para elas. - Respondeu Leonardo.
_Se você está falando, quem sou eu
para discordar? - Perguntou o mendigo.
_Como vê, senhor, o que faço não tem
nada de mágico... - Respondeu Leonardo.
Risos.
_Você sonha as histórias... - Disse o mendigo.
_Sim. - Respondeu Leonardo.
_E escreve elas no papel? - Perguntou o mendigo.
_E escreve elas no papel? - Perguntou o mendigo.
_Como eu te falei. - Respondeu Leonardo.
_E elas possuem esses feitiços que
você falou, que transformam pessoas! - Exclamou o mendigo.
_Não são feitiços. São elementos de
retórica. - Respondeu Leonardo.
_Que seja. Não acha que tem alguma
coisa a mais nisso? - Perguntou o mendigo.
_Sim. E é por isso que estou
escrevendo. - Respondeu Leonardo.
_E o que vai fazer quando elas
começarem a acontecer? - Perguntou o mendigo.
Risos silenciosos.
_Como assim acontecer? - Perguntou Leonardo.
_Oras, como é que as coisas
acontecem? - Perguntou o mendigo.
_Você quer dizer, no mundo real? - Perguntou Leonardo.
_Oras bolas, é claro, onde mais? - Respondeu, perguntando, o mendigo.
_Não! É tudo ficção... São sonhos.
Sonhos são ilusões. - Respondeu Leonardo.
_Nunca! Os sonhos de um Messias não
são ilusões. São revelações. - Respondeu o mendigo.
_O senhor me desculpe, mas minhas
crenças individuais me impossibilitam de ver as coisas por esse ângulo. - Disse Leonardo.
O mendigo levanta-se. Torna-se uma
figura enorme. Aponta o dedo.
_Escute aqui, mortal. Preste atenção.
Você está falando com um imortal. Você é um Messias. Respeite isso. E eu sou seu
pai! - Gritou o mendigo.
Silêncio.
_Se eu não tivesse sonhado, você não
estaria nem aqui, em primeiro lugar. Portanto, me respeite. - Disse firmemente, o mendigo.
Medo. E continua:
_E você sabe muito bem do que eu
estou falando. Não se faça de besta. Você sabe que seus sonhos irão se tornar
realidade, e tem provas disso. - Disse o mendito, de forma muito séria.
Coração acelerado.
_Pensa que eu não sei que você sonhou
com essa cena que está acontecendo neste instante? - Continuou o mendigo.
Gelo.
_Você sonhou e sabe disso. E sabe que
vai ter que escrever sobre ela. E ela já está se cumprindo. - Continuou o mendigo.
Silêncio. Leonardo, encolhido na
cadeira, coração acelerado, começa a soluçar.
_S-sim. É verdade. Eu realmente
sonhei com isso. É que eu ainda não tinha compreendido. - Gaguejou Leoanrdo.
Risos. Gargalhadas. O gigante ria,
enquanto Leonardo continuava encolhido. Escorria-lhe uma lágrima.
_Eu vi esse seu jeito de espanto. Essa
carinha de coincidência. Tava sentindo que isso já havia acontecido antes. Talvez
num sonho, não é? - Perguntou o mendigo.
Espanto.
_S-sim. Estava. Como você sabe? - Perguntou Leonardo.
Gargalhadas.
_São duzentos mil anos de experiência,
meu filho. Estou aqui desde que o mundo é mundo. - Respondeu o mendigo.
_E como isso é possível? - Perguntou Leonardo.
_Boa pergunta. Isso eu não sei
responder. - Respondeu o mendigo.
_Me conte sua história! - Pediu Leonardo.
_O que quer saber? - Perguntou o mendigo.
_O que quer saber? - Perguntou o mendigo.
_Da onde eu vim, quem eu sou? Eu quero saber tudo! Comece do princípio!
Conte-me os detalhes! - Pediu Leonardo.
_A história é comprida. - Respondeu o mendigo.
_Então me conte somente as partes
principais. Os motivos e os significados. - Respondeu o mendigo.
_Vixe! Eu não sei ficar enfeitando história como o senhor faz não. Não está vendo que eu sou um mendigo? - Respondeu o mendigo.
_Vixe! Eu não sei ficar enfeitando história como o senhor faz não. Não está vendo que eu sou um mendigo? - Respondeu o mendigo.
_E quem disse que por ser mendigo não
tem que saber? - Perguntou Leonardo.
_Tem razão. Mas minhas histórias são
detalhadas demais. Cheias de símbolos e carentes de explicações alongadas e
detalhistas. - Respondeu o mendigo.
_Conte-me só o essencial. O que
preciso saber! - Pediu Leonardo.
_Como Messias? Como mortal? Não tem muito
que você consiga aprender não. E também não sou bom professor. Por isso que
você veio, oras bolas, para explicar. E eu sou o que sou. - Respondeu o mendigo.
_Se você é tão poderoso, então por
que precisa de mim? - Perguntou Leonardo.
_Quem disse que eu sou poderoso? Sou
um mendigo, já não te disse? - Perguntou, de volta, o mendigo.
_Mas pelo jeito que você fala, é como
se você fosse um deus! - Exclamou Leonardo.
Nuvens no céu. Escurece o tempo. Ventos.
Levanta-se, ódio nos olhos. Sobe em cima da mesa. Segura Leonardo pelo
colarinho. Levanta-o.
_Escute aqui, rapaz, você me
respeite! Entenda com quem você está falando! - Gritou o mendigo, enquanto atirava-o ao chão. Medo. Lágrimas.
_Eu não estou entendendo nada. Me diz
o que eu tenho que fazer! - Exclamou Leonardo.
_Vocês mortais, são todos iguais. Deixe
de choramingar, moleque. Será que vocês humanos não sabem fazer outra coisa? - Perguntou o mendigo.
E as nuvens vão embora. Volta a
paisagem.
_Eu já nem sei mais como lidar com
vocês. Será que vocês nunca vão entender? Que pelo que vocês são, algumas coisas
vocês nunca vão compreender. Você tem que aprender a reconhecer o seu destino. E
fazer com que se cumpra. Para que a harmonia de tudo o que existe siga, do
jeito que tem que seguir. Pense rapaz. Você já deve ter sonhado com isso. Você
sabe o meu propósito? O que eu tenho que fazer? Como eu apareço nessas histórias
que você sonha? - Perguntou o mendigo.
Soluços.
_Na verdade eu tinha sonhado com uma personagem muito parecida com você. Mas ele é uma espécie de mensageiro, que leva informações para outras personagens. - Respondeu Leonardo.
_Na verdade eu tinha sonhado com uma personagem muito parecida com você. Mas ele é uma espécie de mensageiro, que leva informações para outras personagens. - Respondeu Leonardo.
_Sério? Este é o meu papel? Conte-me
mais sobre esse mensageiro... - Pediu o mendigo.
_Eu ainda não tinha pensado direito o
que ele ia se tornar. Acho que você acabou de me explicar melhor... - Respondeu Leonardo.
Risos. E o clima descontraído havia
voltado no ar. Estavam mais calmos. Conformados.
_Você leva convites para pessoas.
Convites em papéis em
branco. Chamando-as para algum tipo de festa, ou algo do
gênero. Essa festa acontece em uma misteriosa mansão abandonada. Trata-se de um
baile de máscaras. E nesse baile, acontecem umas alegorias interessantes sobre
a condição humana. No que escrevi até agora, as histórias são como sonhos. E
acontecem coisas que só acontecem em sonhos. Nos sonhos recorrentes. E os leitores
vivem num mistério. Não sabem se todos os personagens estão mortos, se estão
sonhando ou se faz parte de alguma realidade alternativa ou algum experimento
com drogas. Na verdade, eu ainda não revelei nada. - Continuou Leonardo.
_Nossa, que interessante. E qual vai
ser o final da história? - Perguntou o mendigo.
_Ainda não sei. Vou ter que sonhar
ainda... Estou escrevendo o que sonhei até agora... - Respondeu Leonardo.
_E esses outros personagens? Procurou
ver se eles existem no mundo real? - Perguntou o mendigo.
_Não, não. Não existem. Eu inventei
os nomes. Fazem parte de alguns símbolos e alegorias que pensei. - Respondeu Leonardo.
_Mas se você sonhou, eles devem
existir sim... - Respondeu o mendigo.
_Impossível. - Disse Leonardo, rindo.
_Impossível. - Disse Leonardo, rindo.
Olhos penetrantes. Sérios. Medo.
_Digo... - Gaguejou Leonardo.
_Olha, eu não vou mais ficar perdendo
tempo aqui. Eu só quero um pouco de paz. Diz-me logo o que eu tenho que fazer.
Vamos parar de besteira. - Disse o mendigo.
_O que você quer que eu faça? - Perguntou Leonardo.
_E eu é que sei? Você é o Messias,
você é quem dá as ordens. - Disse o mendigo.
_Estou completamente perdido. - Respondeu Leonardo.
Levanta-se. Mãos nos ombros. Fala como
um pai. Calmo, mas incisivo.
_Tudo bem, meu filho. Sei como deve
estar se sentindo. Foi muita informação para sua cabeça de uma vez só... Descanse.
Sonhe. As respostas virão na hora certa. E quando vierem você irá entender. O
destino não iria escolher você como Messias à toa. Eu vou embora. Vou morar na
praça que fica aqui na frente desse prédio. Quando você precisar de mim, é só
me chamar. De onde você estiver, Eu vou ouvir. - Respondeu o mendigo. Afasta-se. Caminha até a porta e fala, sem se virar:
_A missão que tens pela frente não
será fácil meu filho. Muito sangue e muita dor te esperam. É preciso que tenha
fé. E que tente ao máximo possível reconhecer os símbolos.
Deixa a sala. Silêncio e medo no ar. O
olhar volta-se para a tela do computador. Havia terminado de escrever o conto. E não conseguia se lembrar de nada do que
havia ocorrido, enquanto escrevia o conto. Perturbado com o que havia acontecido
com aqueles misteriosos minutos, nem revisou o texto, publicou do jeito que
estava.
Que
assim seja.
Amém.
L.L.